domingo, 10 de janeiro de 2010

Menina

Ela sempre se comportou da mesma maneira. E acredito que se acomodou com a imagem que gostariam que tivesse.
Acabou caminhando em prol das intenções dos conhecidos, embora fosse criando uma distância daquilo que gostaria de ser.
Cresceu ouvindo que era graciosa, embora não soubesse o que de fato isso significava. Além disso ouvia que era isso, era aquilo, era tudo... e foi se cansando, sentindo vontade de não ser nada daquilo. Ouviu músicas que não gostava, freqüentou lugares que não apreciava, professou credos nos quais ela não confiava.
Levava uma vida dupla. Era uma moça-moeda; de faces diferentes. Era atriz. Era teatral. Fazia seu papel perante os olhos da perfeição desejada.
Não podia errar, não podia questionar, não podia não aceitar, não podia gostar, nem podia querer. Tudo era SIM para um mundo que não era o dela. Sabia que aquele mundo não era o dela e da certeza da existência de um contrário, ela desejava viver o contrário de uma vida inteira. Vivia encoberta pela máscara de um sorriso que nem de longe era o melhor que ela podia dar. Sorria para promover os dentes.
Mergulhada nesse mundo e sem direito a um bote para salvar sua vida, abraçou a tristeza de ser o que gostariam que fosse e, quase que de forma salvadora, reconheceu por trás desse abraço a face que realmente era a dela.
Ela era aquilo que não queriam que fosse. Era força e determinação. Era crítica. Era voraz. E nisso, nesse encontro com contrário da imagem, viu sua alma.
E ficou feliz por isso. Ficou feliz porque descobriu que há tempos não era aquela casca enfeitada. Ela encontrou sua verdade quando teve coragem de perguntar para si se de fato era aquilo que a fazia feliz.
Sentiu-se viva quando questionou. Era a primeira vez que vivia. E sorriu. Livre.
Despiu-se e foi viver. Dispensou os enfeites, as convenções e as conveniências.
Calçou o tênis, abraçou a simplicidade e saiu.
Canção do dia: Últimos dias - Kiara Rocks